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Passagem para a Índia (Post 01)



O mérito é: onde está o seu inferno? E, de que tamanho ele é? Do tamanho equivalente ao seu céu?.



Algumas recomendações:

Nunca vá à Índia impunemente. Tipo assim: Ah, já que estou perto, por que não?





Não há nada na Índia que se possa "take it for granted".

E, em tempo algum, se é a sua primeira viagem, comece por Varanasi.

Na primeira vez, eu vinha de uma longa travessia que se iniciou pela Tailândia e Bali e seguiu Tibete adentro até Katmandu, no Nepal. Antes de partir do Brasil, fiz o meu visto para a Índia. Primeiro, eu queria muito, e de Katmandu não estava longe, e de lá tinha um voo direto para Varanasi.

Meu plano era simples: pôr apenas os meus pés na Índia, ainda que fosse por 10 dias... para começar a desbravar aquele monumento de lugar que tanto me atraía e que por mais de 20 anos, daquela vez, eu retornaria.

Só um pouco, pensei... como se a Índia comportasse tal medida (não comporta, viu?) de 2 dedos de água quando se está num oceano de gente que te engole num sopro e por inteiro. Sem mastigar. Sem anestesia. Sem dó ou piedade. Sem truque ou maquiagem.


Mas fui assim mesmo!

Houve um tempo em que eu tinha diários de viagem. Me acompanharam por anos. Entretanto, de mudança em mudança, de viagem em viagem, fui me desfazendo dessas memórias, mas o diário da Índia, eu guardei!

Naquela ocasião, eu pisei no então pequeno aeroporto de Varanasi e literalmente não conseguia sair do saguão de desembarque para ganhar a única porta que me levava ao mundo exterior. Havia um pequeno aglomerado de homens ansiosos e dispostos a pegar a mala dos passageiros daquele voo para desaparecer completamente com ela e com o cliente em meio a multidão. Eu não via carros, só gente. Observava da porta de vidro e entrava novamente no pequeníssimo edifício. Levei tempo para entender como aquilo funcionava. Nada ali denunciava um aeroporto.

Devo ter esperado uma boa hora e nada. Mas, à medida que todos os passageiros ganhavam seus rumos, os homens e seus riquixás desapareciam com as suas freguesias e malas, tomei coragem então. Uns poucos ainda me aguardavam sair porque... mais uma lição: indiano não consegue desistir de um cliente. Isso não existe!





No diário da Índia, a abertura era assim:

"O que dizer de uma cidade em que o ponto alto da viagem é morrer e ser cremado às margens do seu rio sagrado?"

Um rio que abarca tudo: pedaços de corpos, cabelos, chifres de boi, pequenas oferendas de velas acesas e guirlandas de flores negociadas nas barquetas.



Naquele tempo, as autoridades indianas ainda não haviam protegido as cenas funerárias e as imagens das incinerações às margens do Ganges, com uma distância mínima entre o olhar do estrangeiro - que é quase que cego quando se trata de ver a morte de perto - do rito do corpo na incineração. E, também, naquela ocasião, as autoridades indianas não haviam estabelecido uma medida de madeira mínima a ser comprada para incinerar os corpos (madeira é artigo caro) e, muitas vezes, algumas partes dos corpos ainda íntegros eram atirados ao rio e ficavam expostos aos nossos olhos de principiantes.

Atualmente não é assim, pelo menos em Varanasi. Pedaços de corpos não banham mais nas águas do rio, perto do Ghats (escadarias), onde se encontra o único local sagrado para a incineração: o Crematório Marnikarnika, que sempre pertenceu a mesma e única família por gerações e gerações. O fogo daquela pira tem mais de 2.500 anos, e aquela chama da qual se alimenta a tocha que iniciará o fogo para a incineração do cadáver, desde que foi acesa, jamais foi apagada.




Uma cidade que é a quintessência da morte, e para onde convergem todos os dias aproximadamente 200 cadáveres a serem cremados e muito mais moribundos, porque morrer em Varanasi é uma alforria. Morreu ali, quebra-se o ciclo das reencarnações, ou no pior dos casos, você encarna com o carma limpo.

Não é todo mundo que pode ser cremado no crematório oficial. Apenas os que morreram de morte natural. Menores de 13 anos, mulheres grávidas, leprosos e mortes por acidentes não podem ser cremados lá. Para os acidentados, resta um crematório a uns 60 km fora da cidade, mulheres grávidas passam por outros rituais e têm outros destinos.

Essa primeira impressão de quem entra completamente desavisado (como foi o meu caso), me deixou em silêncio na maior parte daquela viagem.

Eu ainda era muito jovem na ocasião, o que significa dizer que me sentia longe da morte, segura no tempo da minha juventude e vitalidade. E mesmo assim...

Estar na mais Sagrada das Cidades Sagradas





A história de Varanasi, no subcontinente indiano, tem a ver com a decadência e abandono de grandes civilizações na Índia. Para entender por que Varanasi é a mais sagrada de todas as outras cidades sagradas da Índia, precisamos entender que a gente que veio para cá chegou de uma das maiores civilizações da humanidade, anterior mesmo às cidades do Alto Egito, da Grécia ou mesmo de Roma: as civilizações do Vale do Indus; a civilização Harappiana e de Monjero Daro. Harappa, que está entre Multam e Lahore, hoje no Paquistão (depois da divisão da Índia e Paquistão em 1947). Essa civilização muito desenvolvida e redescoberta em 1920 pelo antropólogo inglês Marshall, durante a ocupação britânica, desapareceu por completo.

O desaparecimento se deu em razão da profunda modificação do clima e do meio ambiente que mudou completamente por volta de 3,5 mil anos antes de Cristo, em razão da barreira formada pela Cordilheira Himalaia. Os movimentos da Terra que se iniciaram por volta de 50 milhões de anos atrás, quando a massa de terra que flutuava no mar de Tétis (e depois viria a se tornar na Índia), em razão do movimento de seu deslocamento, ganhou a direção norte e chocou-se com o continente, criando a maior cordilheira do planeta: o Himalaia. Essa barreira impediu o ar quente de atravessar as montanhas e se precipitar em chuvas de monções que fertilizavam as terras de Harappa e Monjero Daro e possibilitaram o desenvolvimento dessas civilizações; por conseguinte, quando as chuvas das monções deixaram de ocorrer, deram por fim aquelas grandes civilizações do passado. Harappa definhou até retornar a um patamar tão miserável regredindo as condições tribais e rurais. Aquela que havia sido uma enorme cidade perdera qualquer importância, comércio, relações exteriores, a ponto de todos os habitantes abandonarem a cidade e partirem em direção a leste das planícies centrais do Ganges - esse rio que mudaria uma vez mais a "história do subcontinente indiano". Ao chegarem em Varanasi, nas margens do rio Ganges, aquela população ali se estabeleceu. Por isso, de todas as 8 cidades sagradas da Índia, Varanasi é a mais sagrada. Ela guarda o DNA dessa grande civilização.






Tantos anos e tantas outras viagens após, Varanasi ainda causa em mim um impacto considerável.

Estou sempre atenta ao meu grupo, zelando para que esse encontro, ao fim da viagem, traga uma áurea de conforto e de serenidade. Seria isso possível?

Olho o grupo que me acompanhou em fevereiro de 2018, na penumbra do dia que sequer estava desperto, junto às margens do Ganges, quando a cerimônia do Ganga iniciava, e me tranquilizo. Antes de chegar aqui, cumprimos um percurso que nos possibilitou compreender Varanasi e reconciliar com a cidade, com tudo que havíamos visto anteriormente.




Na Índia, não se deve compartimentar as cidades, as gentes, os sadhus dos sikhs, e dos baha'is e de todos e tudo mais. Seccionar o que se vê nas ruas, nos Ghats (escadarias) nos palácios - ninguém faz um palácio ou um rei melhor do que a Índia - das imagens mais bárbaras ou desconcertantes do país, é um erro, creio eu. A Índia só faz sentido no conjunto, na multiplicidade... É esse contorno que nos oferece harmonia.





Em fevereiro, ainda embotados pelo jet lag, nossa primeira visita em Delhi foi ao Templo Sihk Gurdwara Bangla Sahib. Lá, com nossos véus e pés descalços, subimos os degraus adentro do santuário e nos sentamos para ouvir as orações e os cantos. A sensação de benção era simples, mas clara.

Entretanto, a cena mais tocante da noite foi a visita que fizemos à cozinha do templo, onde a comida estava sendo preparada para servir a todos os que estavam ali presentes, independente do credo que professassem.







Testemunhamos a qualidade do alimento que seria servido no langar, o salão onde todos comem juntos, que antes da refeição é varrido e lavado. Após o quê, se estendem as esteiras sobre o chão de mármore. Diz que o Templo de Bangla Sahib serve por dia em torno de 10 mil refeições. Mas é comum na Índia que os templos sirvam refeições aos peregrinos.

Se você quiser saber o que de melhor se testemunha em sihk Gurdwara Bangla Sahib e o que é comum em toda a Índia, é a noção do outro e o que o outro necessita. Esse olhar de compaixão é o que a harmoniza.

Se olhamos a miséria e as muitas necessidades presentes - fora do contexto - a Índia é pobre, exceto de fato por quadrantes muito distantes dela mesma. Os Himalaias e o Estado de Kerala, as Maldivas, exceções à parte, o conjunto é "pobre"... Mas, parafraseando Michael Woods, diante do Império do Espírito, da manifestação da fé, da prática diária da generosidade, pobres somos nós...








A propósito, tenha sempre uma porção diária de centavos de Rupia indiana, os quais facilmente qualquer um de nós desprezaria. Eles serão de grande importância nas suas visitas aos templos de todas as fés. Os necessitados aguardam por esses centavos na frente dos templos.

Também em fevereiro, pudemos presenciar um importante festival ancestral: Mahashivaratri, "A Noite de Shiva". Uma vez no ano, no mês de fevereiro/março (a data é móvel e depende do calendário Lunar) há uma noite e um dia inteiros dedicados ao Senhor Shiva. De acordo com a lenda, o Maha Shivaratri marca o dia do Casamento Sagrado do Deus Shiva com a Deusa Parvati. De todos os deuses da Trindade, Shiva é o mais adorado, e Parvati, a consorte mais festejada.

Quem não amaria uma divindade que dança com toda aquela sofisticação? Que sacode a criação para iniciar outra; cujos cabelos jorram as águas do Ganges, cujo cinto é como o cordão umbilical que une seus devotos à mãe-terra e que remove a ignorância para dar lugar ao entendimento através do conhecimento...

Nos templos dedicados à Shiva, ao fim do dia, vimos os rituais de recolhimento de Shiva e Parvati, sua consorte aos seus aposentos.

Naquela manhã de fevereiro, vimos os devotos subirem apressados as escadarias do templo. Os degraus, molhados pelas águas do que simbolizaria um banho ritual, são percorridos para dar o banho ritual ao Shiva Lingam com leite, iogurte e mel.

A nós parecia uma catarse coletiva.

Para saber mais acompanhe a gente nessa semana...


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Créditos Fotográficos: arquivo pessoal Marcia Sztajn, Wania Concessa, Prayash Giria e fotos institucionais.

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